Eu não vivi 68, não presenciei as Diretas Já, já era nascido nos Caras Pintadas, mas não me lembro do Collor no poder. Tudo isso pra dizer que esta quinta-feira que passou foi o maior levante popular que eu já vivenciei totalmente. Nunca tinha visto tanta gente na rua, na verdade nem acreditava que poderia ver tanta gente na rua por qualquer motivo político, dada toda a inércia que marcou a população pós-92.
Os especialistas que aparecem aos montes nesses momentos nos canais de
jornalismo tratam os atos do dia 20 como a mais ampla e numerosa mobilização
sem liderança da história brasileira. Quase nunca concordo plenamente com esses
especialistas de ocasião, que vendem opiniões como verdades, mas desta vez não
há como discordar. Eu não sei no que isso vai dar, acho que ninguém tem essa
resposta, tá todo mundo ainda meio perdido (governo, políticos, povo, mídia),
mas é um dia para ser lembrado, na verdade tem sido um mês pra não ser
esquecido.
Apesar da existência de uma agenda de reivindicações elaborada no
início de toda essa história, os dois principais pontos para o sucesso disso foram:
inexistência de um líder e o caráter apartidário/suprapartidário do movimento.
Esses dois pontos foram de extrema importância pra trazer pra dentro da
manifestação um povo que é descrente nos nomes que compõe seu sistema político e
está de saco cheio de todas as sacanagens que acontecem todo santo dia. Só
faltava a fagulha pra acender o fogo. Soma-se a descabida repressão policial em
São Paulo no dia 13 fazendo com que houvesse uma comoção pró-movimento, que deu
volume e fez com que o país inteiro olhasse para o que está/estava acontecendo.
Só que esses dois pontos que foram de extrema importância para o
crescimento dos atos podem ser suas duas grandes maldições. Vou aqui citar os
casos das duas principais cidades do país pra exemplificar essa minha
preocupação. No Rio de Janeiro e em São Paulo as autoridades municipais e
estaduais atenderam aos pedidos dos manifestantes e voltaram atrás no aumento
da tarifa de transporte coletivo. Mostrou a força que o povo sempre teve, mas
que muitas vezes não fez uso (num passado não muito distante não podia usar).
Claro que lá atrás não era apenas pelos aumentos de centavos, mas esse objetivo
inicial já foi alcançado. Qual é o próximo? Como determinar o próximo alvo se
não há um líder? O povo brasileiro já está tão organizado a ponto de surgir outro
movimento “popular”* como o MPL e levantar sua bandeira? Entendeu a minha
apreensão pela falta de liderança?
Sem alguém que tome frente não existe a menor possibilidade de focar
em uma nova e concreta reivindicação. Os protestos passarão (já estão passando)
a ter cada vez menos clima de protesto e mais clima de caminhada coletiva, com
direito a concurso do cartaz mais criativo, show de vandalismo pela meia dúzia
de idiotas sempre presente (o caso do Itamaraty, fora a depredação de
propriedades privadas é algo mais baixo que o ridículo, não consigo achar
alguma palavra pra classificar isso) e a velha conhecida truculência policial. E sabe qual foi o motivo pra eu pedir que
reivindiquem algo mais específico? Não adianta ir pra rua com cartaz pelo fim
da corrupção, por mais saúde e educação ou coisas do gênero. Isso tá no mesmo
patamar de pedir pela paz mundial e pelo fim da fome na África. Isso tá no
subconsciente de todo mundo, é desejo de todo mundo (óbvio que é), mas não é
algo que vá ser resolvido apenas indo pra rua. É melhor focar na Cura Gay, mesmo
sendo pra mim algo que não merece atenção, pois é tão imbecil que não existe a
menor chance de ser aprovada pra valer e só serve pra dar audiência pra
deputado que quer aparecer para seus eleitores (não esqueçam que 2014 é logo
ali e a campanha já começou).
Quanto aos partidos, muita gente está confundindo apartidarismo com
antipartidarismo e impedindo (muitas com uso de força) dos militantes levantarem
suas bandeiras nos movimentos, indo totalmente de choque com a liberdade de
expressão. Tio Voltaire já dizia isso há mais de dois séculos: “Não estou de
acordo com aquilo que dizeis, mas lutarei até o fim para que vos seja possível
dizê-lo”. Eu também não me identifico com nenhum partido, assim como várias pessoas
que estão na rua, mas sempre vou deixá-los se manifestar, assim como a
imprensa, que vi ser agredida e impedida de trabalhar em alguns casos isolados.
Não entendo o medo ou ignorância (sempre andam tão juntos que nessa me
confundem) de alguns de que os partidos/sindicatos/uniões roubem o movimento
pra si, não existe essa possibilidade, pois a grande massa não legitimaria
isso. O ideal é que não levem as suas bandeiras, pois é um ato do povo como um todo,
mas isso não deve vir como imposição e sim como uma conscientização de todos
pro que tá acontecendo. Agora o mais grave de toda essa onda antipartidária, eu
não sei se os filhotes de revolucionários do Facebook sabem, mas não existe
democracia sem partidos. Como já disse não me identifico com nenhum deles, acho
a discussão partidária muito rasa, mas nunca vou defender a extinção dos partidos, como
tive o desprazer de ver Senador pedindo hoje. Reforma política não se faz extinguindo
e criando partidos a esmo, ela é feita a partir da mudança dos mecanismos e isso
sim eu defendo há algum tempo. A não ser que queiram instaurar uma ditadura, aí
eu entenderia essa cruzada contra os partidos. Vamos dar um golpe, se quiserem
chamem o Príncipe pra ser o governante supremo de vocês. Essa semana até ele
apareceu dando entrevista por aí.
Apesar das minhas críticas e das minhas dúvidas é incrível ver como as
pessoas estão falando sobre política, esse crescimento é algo visível. Não
credito isso a alguma evolução de interesse ao assunto (só o tempo vai dizer),
mas pelo menos já começou a ser algo comentado. Pra uma população que sempre
viu política como algo distante, que “não vai mudar nunca”, já é um bom
progresso. Mas é perceptível que ainda carece de uma educação e um conhecimento
maior do assunto. O pronunciamento da presidente na noite dessa sexta-feira
deixou isso ainda mais claro pra mim. As pessoas realmente tem a impressão de
que o Governo é todo em cima de uma figura, poucos são os que têm o discernimento
de reconhecer os outros poderes. Claro que o cargo de presidente é de extrema
importância (isso é tão óbvio quanto o péssimo governo que o Cabral faz aqui no
Rio) e teria condições de articular alianças com o Congresso e o STF pra fazer
as coisas andarem mais rápidas, mas é meio bizarro jogar tudo na conta de um
poder. O bom disso tudo é que como o assunto fervilha nas redes, esclarecimentos
sobre determinados assuntos também crescem e assim se cria conhecimento, educa
uma população e os torna mais politizado.
Trazendo tudo isso pra minha realidade, quinta-feira houve o primeiro
ato aqui em Volta Redonda/RJ. Foi um momento bem legal, sair de casa com meus
amigos e ver com os próprios olhos o poder que o povo tem. Pra quem não sabe,
Volta Redonda deve ter pouco mais de 250 mil habitantes, as projeções
atualizadas de pessoas presentes nesse ato foi de 30 mil pessoas. Mais de 10%
da população indo pras ruas, fechando as principais avenidas da região central
da cidade, revindicando melhorias no transporte e transparência da Prefeitura
foi algo sensacional. Mas todo o outro lado de não sentir um clima mais
aguerrido pelos objetivos daquela manifestação aconteceu, e confesso que me
desanimou um pouco. Se for pra ver pessoas andando sem rumo eu vou pra Rua do
Cana. Se for pra ver máscara do Guy Fawkes eu espero o carnaval. Se for pra ler
cartaz engraçadinho eu vou a algum stand up (se bem que nem acho stand up tão
engraçado assim). Infelizmente uma boa parte das pessoas em Volta Redonda pegou
os aspectos mais bobos das manifestações nas capitais. Claro que a irreverência
é algo sempre bem-vindo, mas é necessário foco e o fato de o movimento ser
apartidário/suprapartidário não faz com que ele seja apolítico, e eu senti
muita falta disso: das pessoas terem verdadeira noção dos motivos de estarem
ali. Alguns estavam mais preocupados em quantos likes iriam conseguir com fotos
e frases de efeito do que se a pressão em cima da Prefeitura surtiria efeito.
Claro que eu não sou ninguém pra falar o que é certo ou errado, não estou aqui
pra cagar regra, cada um faz as coisas do jeito que achar mais correto, só
estou comentando a impressão que tive.
A reação das pessoas nas redes sociais foi parecida com a minha,
apesar do incrível número de presentes (e parabéns a todos os envolvidos pela
mobilização) houve grandes erros que, pra mim, foram minando a força da
manifestação. Lições que devem ser aprendidas para o próximo ato, já marcado e
em fase inicial de organização. Porém, não estou aqui jogando a culpa nos
organizadores (como muitos fizeram), imagino a batalha que deve ter sido isso.
A opinião que tenho dessa falta de postura é bem simples: o povo que ainda
coloca corrupto pra governar é o mesmo que transforma protesto em bloco de
carnaval. Falta de política nas urnas refletindo na rua. A triste constatação é
ler relatos de impressões semelhantes a essa vindas de todas as partes: Rio, São
Paulo, Brasília, Vitória... Infelizmente, ainda somos um povo despolitizado
tentando aprender o que é essa tal de democracia e como brinca disso.
Pra quem realmente acredita na legitimidade desses atos este é o
primeiro grande momento crucial. Onde é preciso focar forças? As grandes
capitais estão sem foco por enquanto, será que as cidades menores terão fôlego pra
levar em frente seus protestos? Qual será a estratégia dos órgãos de segurança
(destaco aqui, por questões óbvias, a PMERJ)? São muitas perguntas e pouca
perspectiva de resposta concreta. Não acreditem em tudo que ouvem/leem – tanto nas
redes sociais quanto na mídia tradicional. Pesquisem sobre as funções de cada
poder, assim fica mais fácil criticar e conhecimento nunca é demais. Pensem
sobre o assunto e não apenas saiam repetindo alguma ideia que te venderam. Não
caiam no papo de alguém só porque ele disse o que você queria ouvir, o que não
falta é gente tentando ocupar essa vaguinha de chefe e o povo brasileiro já
caiu algumas vezes nessa história de líder messiânico. E fica o meu convite pra
quem leva o processo a sério de continuar indo pra rua, foca na reivindicação,
exija uma solução melhor do que a situação atual. Já temos exemplo de que isso
funciona sim e democracia não se faz só nas urnas, apesar de toda a importância
que 2014 vai ter pra legitimar uma possível mudança de postura do cidadão
brasileiro.
*O asterisco é simples, não posso considerar o MPL como movimento genuinamente popular quando há a informação de que recebe dinheiro do governo e é formado por gente militante de partidos.
Obs: maior texto da história daqui?
Maior e melhor texto, talvez. Hahaha! Super concordo! =)
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